terça-feira, maio 17, 2011

Parece atual, mas escrito há 45 anos

Emil Farhat, 1966

Uma nação deve dar assistência, mas não direitos à incapacidade. Deve amparar os doentes, mas não premiar os ociosos resmunguentos, nem torná-los razão de suas leis, padrão de méritos públicos e limite das ambições cívicas ou econômicas. Deve fortalecer o espírito e os instrumentos de justiça, mas não transformar o sentimentalismo oco e elástico - e não o mérito - em medida para aferir valores e capacidade e julgar direitos e razões.

O Brasil tem que decidir-se entre ser essa grande Nação que todos sonhamos ou um vasto albergue.

É preciso dar um "Basta!" ao "coitadismo" na vida pública, ou então este país gigantesco, que o mundo já começa a apontar ironicamente como sendo "apenas, o país do futuro ... " jamais se erguerá além do afundado subnível econômico-social das cubatas africanas, ou da desoladora paisagem de mentes ocas e bocas vazias das potências meramente geodemográfícas.

Não é admissível que o nhem-nhem-nhem do "coitadismo" continue a ditar a essência da jurisprudência e do espírito das leis sociais brasileiras num convite oficial ao amolecimento nacional, ao imobilismo geral, ao caradurismo total, ao mais inerme e boçal parasitismo. :É preciso que haja coragem moral da parte dos verdadeiros homens públicos para dar esse "Basta!" solene e dramático à coorte dos falsos guias-de-cego, composta de certos senadores e deputados que vivem da cata histérica e inescrupulosa de votos-de-favor junto a classes, grupos e grupelhos.

Esse tipo de "legisladores" pensa que tem o direito de amarrar e comprometer o destino do país e, principalmente, o das novas gerações ao seu pessoalíssimo problema particular de obter ou garantir uma cadeira no Congresso. Pouco se lhes dá que acabem por liquidar a Nação, por atacado e a varejo, num leilão interno de favores e concessões, desde que estes lhes tragam o sonhado ricochete dos votos pingados nas urnas.

É preciso que esse tipo especialíssimo de "altruístas", que exercem na vida pública sem-cerimoniosamente a política do amigo-do-alheio, pois estão sempre dando o que é dos outros - e pior ainda: o que seria das gerações vindouras - é preciso que saibam que nenhuma Nação é suficientemente rica para agüentar carregar um corpo de leis sociais e assistenciais calcadas na preocupação dos favores aos menos capazes, aos menos dedicados, aos dispensáveis de toda natureza e por todos os motivos.

Por que essa muralha de garantias ao que não fez e não quer fazer força? Por que requintes de proteção aos que abominam o suor e o esforço? Por que a preocupação de padronizar o futuro e a prosperidade de todos pela indiferença dos que não se importam com o amanhã, nem mesmo com o hoje, avessos que são a todos os compromissos com a vida, com a comunidade, com a organização onde "trabalham" ou onde simplesmente têm emprego?

O perigo desse descarado favoritismo visando a proteger os que desdenham de tudo é fazer o homem comum - que é tão cioso de não ser ludibriado - tomar a inércia como padrão para recompensa, considerar o desinteresse como atitude exemplar, ou concluir que a deslealdade é que é digna de proteção contra os que não a toleram e a punem pelo isolamento, pela expulsão ou pela dispensa.

Qualquer país se acercará do desastre social e nacional no instante em que o cidadão comum descobrir, nas leis que regem o trabalho e os direitos sociais, uma consolidação de favores que amparam a incapacidade, uma intencional compensação e proteção à frouxidão, e que cabem mais recompensas) legais ao lambonismo e à miúda esperteza que à perfeição e à exação no cumprimento do dever.

Nós temos sido embalados todos pela visão panorâmica das riquezas brasileiras, e muitos espíritos contemplativos dão-se por satisfeitos só em enumerá-las; entram em êxtase patriótico e acham que tudo está resolvido pelo simples fato de que existam tais dádivas da natureza, esquecendo-se ingenuamente daquela advertência maliciosa e precavida que foi mesmo a primeira página e a primeira lição de nossa História: “Em se plantando....”

Extraído de "O Pais dos coitadinhos", Emil Farhat, 1966 Cia Editora Nacional.


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