segunda-feira, junho 17, 2013

Equívocos e mentiras em torno da PEC 37

Do Blog de Wellington Saraiva ~ Temas de Direito para o cidadão, livros e algo mais. 

Vale a pena ler para se informar: 

Protestos: Auspiciosos, mas por motivos menores.

Saudamos como auspiciosas as manifestações pública da sociedade nas ruas por seus direitos, mas consideramos que estamos gastando muita energia em causas menores, não completamente justificáveis como os aumentos das passagens urbanas, em detrimento da canalização de toda esta energia para um problema maior: A corrupção nos governos.

A violência policial, despreparada para enfrentar protestos pacíficos legítimos, os está transformando em demonstração da truculência das nossas polícias, conseguindo assim levar a mensagem para fora do país, onde os brasileiros estão protestando nas ruas, em apoio aos manifestantes e contra a violência policial.

Esta é a hora de virarmos o mote contra a corrupção e banirmos da vida pública aqueles políticos apenas comprometidos com seus próprios objetivos políticos e pessoais.

Os mesmos p
olíticos que se preparam para retirar os poderes investigativos do Ministério Público, através da PEC 37, que deverá ser votada pelo Congresso Nacional até o final deste mês, com enormes possibilidades de ser aprovada, anulando esta conquista espetacular da Constituinte Cidadã, que se mostrou instrumento eficaz contra os desmandos das autoridades deste país e que por isso mesmo alguns entendem que deva ser aniquilado.

De nada adianta que sejam mostrados aos parlamentares os prejuízos da perda da independência das investigações sobre governos e autoridades através de um poder independente e que é objeto de admiração internacional, de nada adianta mostrar que independente da competências das polícias civis e federal, crimes de pena baixa, como por exemplo, os ambientais, ficarão impunes, pois prescreverão antes da finalização dos inquéritos e muitas outros prejuízos da retirada da investigação do Ministérios Público, pois o parlamento toma-lá-da-cá só pensa em retaliação ao MP, independente dos prejuízos que advirão ao país.

Causas como estas precisam destas manifestações populares mais do que os aumentos das tarifas de ônibus urbanos.

quarta-feira, junho 12, 2013

Por que estudar História?

Laura de Mello e Souza é professora titular de História Moderna da Universidade de São Paulo. É autora de O Diabo e A Terra de Santa Cruz (1986) e O Sol e a Sombra (2006), entre outros livros. Organizou e foi co-autora do primeiro volume de A História da Vida Privada no Brasil


Publicamos o excelente artigo da professora Laura de Mello e Souza responde a uma pergunta muitas vezes colocadas por alunos secundaristas em sala de aula.


Para responder esta pergunta, a primeira frase que me ocorre é a resposta clássica dada pelo grande Marc Bloch a seu neto, quando o menino lhe perguntou para que servia a História e ele disse que, pelo menos, servia para divertir. Após 35 anos de vida profissional efetiva, como pesquisadora durante seis anos e, desde então – 29 anos – também como docente na Universidade de São Paulo, considero que a diversão é essencial, entendida no sentido de prazer pessoal: a melhor coisa do mundo é fazer algo que gostamos de fato, e eu sempre adorei História, sempre foi minha matéria preferida na escola, junto com as línguas em geral, sobretudo italiano e português, e sempre mais a literatura que a gramática.

Mas a História é, tenho certeza disso, uma forma de conhecimento essencial para o entendimento de tudo quanto diz respeito ao que somos, aos homens. Os humanistas do renascimento diziam que tudo o que era humano lhes interessava. A História é a essência de um conhecimento secularizado, toda reflexão sobre o destino humano passa, de uma forma ou de outra, pela História. Sociologia, Antropologia, Psicologia, Política, todas essas disciplinas têm de se reportar à História incessantemente, e com tal intensidade que o historiador francês Paul Veyne afirmou, com boa dose de provocação, que como tudo era História, a História não existia (em Como escrever a História). Quando os homens da primeira Época Moderna começaram a enfrentar para valer a questão de uma história secular, que pudesse reconstruir o passado humano independente da história da criação – dos livros sagrados, sobretudo da Bíblia – eles desenvolveram a erudição e a preocupação com os detalhes, os fatos, os vestígios humanos – as escavações arqueológicas, por exemplo – e criaram as bases dos procedimentos que até hoje norteiam os historiadores. Mesmo que hoje os historiadores sejam descrentes quanto à possibilidade de reconstruir o passado tal como ele foi, qualquer historiador responsável procura compreender o passado do modo mais cuidadoso e acurado possível, prestando atenção aos filtros que se interpõem entre ele, historiador, e o passado. Qualquer historiador digno do nome busca, como aprendi com meu mestre Fernando Novais, compreender, mesmo se por meio de aproximações. Compreender importa muito mais do que arquitetar explicações engenhosas ou espetaculares, e que podem ser datadas, pois cada geração almeja se afirmar com relação às anteriores ancorando-se numa pseudo-originalidade.

Sem querer provocar meus companheiros das outras humanidades, eu diria que a Antropologia nasce a partir da História, e porque os homens dos séculos XVI, XVII e XVIII começaram a perceber que os povos tinham costumes diferentes uns dos outros, e que esses costumes deviam ser entendidos nas suas peculiaridades sem serem julgados aprioristicamente. É justamente a partir desse conhecimento específico que os observadores podem estabelecer relações gerais comparativas e tecer considerações, enveredar por reflexões mais abstratas. Portanto, a História permite lidar com as duas pontas do fio que possibilita a compreensão do que é humano: o particular e o geral.

A História é fundamental para o pleno exercício da cidadania. Se conhecermos nosso passado, remoto e recente, teremos melhores condições de refletir sobre nosso destino coletivo e de tomar decisões. Quando dizemos que tal povo não tem memória – dizemos isso frequentemente de nós mesmos, brasileiros – estamos, a meu ver, querendo dizer que não nos lembramos da nossa história, do que aconteceu, por que aconteceu, e daí escolhermos nossos representantes de modo um tanto irrefletido – na história recente do país, o caso de meu estado e de minha cidade são patéticos - de nos sentirmos livres para demolirmos monumentos significativos, fazermos uma avenida suspensa que atravessa um dos trechos mais eloquentes, em termos históricos, da cidade do Rio de Janeiro, o coração da administração colonial a partir de 1763, o palácio dos vice-reis. Quando olho para a cidade onde nasci, onde vivo e que amo profundamente fico perplexa com a destruição sistemática do passado histórico dela, que foi fundada em 1554 e é dos mais antigos centros urbanos da América: refiro-me a São Paulo. Se administradores e elites econômicas tivessem maior consciência histórica talvez São Paulo pudesse ter um centro antigo como o de cidades mais recentes que ela – Boston, Quebec, até Washington, para falar das cidades grandes, que são mais difíceis de preservar.

Não acho que se toda a humanidade fosse alimentada desde o berço com doses maciças de conhecimento histórico o mundo poderia estar muito melhor do que está. Mas a falta do conhecimento histórico é, a meu ver, uma limitação grave e, no limite, desumanizadora. Acho interessante o fato de muitas pesquisas indicarem que, excluindo os historiadores, obviamente, o segmento profissional mais interessado em História é o dos médicos. Justamente os médicos, que lidam com pessoas doentes, frágeis e amedrontadas diante da falibilidade de seu corpo e da inexorabilidade do destino humano. E que têm que reconstituir a história da vida daquelas pessoas, com base na anamnese, para poder ajudá-las a enfrentar seus percalços. Carlo Ginzburg escreveu um ensaio verdadeiramente genial, sobre as afinidades do conhecimento médico e do conhecimento histórico, ambos assentados num paradigma indiciário (refiro-me ao ensaio “Sinais – raízes de um paradigma indiciário”, que faz parte do livro Mitos – emblemas – sinais). Portanto, volto ao início, à diversão, e acrescento: o conhecimento histórico humaniza no sentido mais amplo, porque ajuda a enxergar os outros homens, a enfrentar a própria condição humana.