terça-feira, outubro 21, 2014

A carta de Lampião

Em 1926 o cangaceiro Lampião enviou uma carta ao governador de Pernambuco, Júlio de Melo, sugerindo a divisão do estado em duas partes: uma ficaria com ele e a outra com o governo. Na época, o chefe de polícia Antônio Guimarães foi o responsável por levar a notícia da atitude audaciosa ao conhecimento do governador. Ainda em 1926, no dia 12 de dezembro, Júlio de Melo foi substituído no governo por Estácio Coimbra, a quem caberia tomar atitude com relação à carta de Lampião. O novo governador nomeou como chefe de polícia o jovem advogado Eurico de Sousa Leão.

Com Leão à frente da Repartição Central de Polícia, começou uma ação organizada do estado contra o cangaço. Em princípio, Leão substituiu os soldados do litoral (chamados de "pés-de-barro") por sertanejos com hábitos e resistência física semelhantes às dos cangaceiros, reorganizando o serviço policial volante. Ele levou para a polícia sertanejos da própria região, o vale do rio Pajeú, de onde os bandidos eram originários, ampliando uma política iniciada no governo anterior. A partir de então eram homens de maior resistência, acostumados a enfrentar a caatinga e suas dificuldades, que davam combate.

Os resultados dessa mudança de estratégia não demoraram a aparecer. Lampião logo teria no seu encalço homens como os nazarenos, naturais da cidade de Nazaré (hoje Carqueja - PE), que se tornariam seus piores inimigos. Além dessas medidas, Leão começou a prender e processar os coiteiros, pessoas que ajudavam a encobrir os integrantes do cangaço. A ação ajudou a quebrar a condescendência e até mesmo a cumplicidade dos poderosos chefes do interior com Lampião e seus seguidores. Por fim, promoveu convênios com os estados vizinhos para enfrentar os bandoleiros.

Leão teve como um dos principais agentes ao seu lado o militar Teófanes Ferraz Torres, com quem divide os méritos da introdução em Pernambuco da polícia científica e da moderna administração da defesa social. As medidas aplicadas provocaram a derrota de Lampião em menos de um ano e meio, conquistando também a opinião pública.

Na íntegra a Carta:

Senhor governador de Pernambuco, Suas saudações com os seus. Faço-lhe esta devido a uma proposta que desejo fazer ao senhor para evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas. (...) Se o senhor estiver no acordo, devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o que convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda seus macacos me emboscar, nem eu com os meninos atravessamos a extrema, cada um governando o que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz que eu tenho e para que não se diga que sou bandido, que não mereço. Aguardo a sua resposta e confio sempre.

Capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão

Fonte: livro Lampião, seu tempo, seu reinado - vol. III, de Frederico Bezerra Maciel, Editora Vozes.

Publicado Inicialmente em: Conversando Sobre História, por #AL

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