terça-feira, setembro 09, 2008

Erros no licenciamento de Angra 3


Origem - Gazeta Mercantil 9 de Setembro de 2008

A concessão da licença prévia para Angra 3 trouxe novamente ao debate público a questão dos rejeitos radioativos produzidos durante a operação de uma usina nuclear. Entre as 60 condicionantes incluídas na licença concedida pelo Ibama, uma se destaca, por ser precipitada. Trata-se da exigência de apresentação de uma proposta e do início da execução do projeto para disposição final dos rejeitos radioativos de alta atividade.

Por ser possível e ambientalmente mais correto o reaproveitamento desses rejeitos, é inadequado condicionar a licença prévia de Angra 3 à construção de um depósito definitivo para seu armazenamento.

Cabe legalmente à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) regular sobre essa matéria e também a responsabilidade pelo destino final dos rejeitos radioativos produzidos em território nacional. Por isso, a exigência não poderia ter sido endereçada ao empreendedor, no caso, a Eletronuclear.

Deve ser destacado que, durante vários anos após serem usados, os elementos combustíveis contendo os rejeitos radioativos devem ser mantidos em piscinas localizadas junto aos reatores, especialmente projetadas para esse fim e com um sistema de refrigeração dedicado para remover o calor residual antes de serem reprocessados ou armazenados definitivamente. Países que fazem uso maciço da energia nuclear, como Estados Unidos, França, Alemanha e Japão - que operam mais da metade dos 439 reatores em operação no mundo -, não têm em operação um depósito definitivo para os rejeitos radioativos de alta atividade.

Estes rejeitos são materiais que decaem ao longo do tempo, emitindo partículas e radiações nucleares até se tornarem estáveis e não oferecerem risco para os seres vivos. Os tempos de decaimento variam de dias até milhares de anos. Os materiais radioativos, se ingeridos ou inalados, causam diferentes danos aos seres vivos, dependendo das taxas de decaimento e do tempo de retenção no organismo. Por essa razão, devem ser isolados do meio ambiente de forma segura e pelo tempo necessário para que não ofereçam qualquer risco à saúde.

Caso a opção seja por seu armazenamento em depósitos permanentes, os rejeitos passam a ser rotulados de lixo radioativo, pelo simples fato de não serem reutilizados. Essa opção é uma conseqüência da política internacional de restrição ao reprocessamento dos rejeitos radioativos para limitar a proliferação de armas nucleares. Entre os materiais nucleares existentes nesses resíduos há urânio e plutônio, que podem ser usados para a fabricação de armas nucleares, mas que também podem servir para gerar mais eletricidade, além daquela já produzida originalmente nos reatores nucleares.

Atualmente, centros de pesquisa ao redor do mundo estão desenvolvendo um novo tipo de reator, que produz energia e incinera os rejeitos radioativos. O conceito é bem simples e utiliza aceleradores de partículas combinados com a fissão nuclear. O termo "incineração" significa o encurtamento do período de atividade dos rejeitos.

A deposição, sem qualquer tratamento, em um depósito definitivo, precisa durar milhares de anos para os resíduos alcançarem o nível natural de radioatividade de uma mina de urânio. Com o uso dos novos reatores incineradores, o tempo de armazenamento é reduzido para menos de 300 anos.

Por que, então, não aguardar novos avanços no setor nuclear para o tratamento dos rejeitos? Por que não usá-los para gerar mais energia elétrica? O desconhecimento da evolução dessas novas tecnologias não pode justificar decisões precipitadas no processo de licenciamento de Angra 3.

No setor elétrico, todas as fontes têm algum tipo de impacto para o meio ambiente. Nenhuma delas sozinha será capaz de atender às necessidades futuras de geração de eletricidade. A energia nuclear poderá dar uma contribuição importante para a diversidade da matriz energética do País e, por isso, seu uso não pode ser apresentado de forma maniqueísta. Criar falsos dilemas sobre sua utilização não nos levará a lugar algum. O que precisamos é estabelecer exigências que efetivamente conciliem a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento.

Por que não aguardar novos avanços para tratamentodos rejeitos?

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) AQUILINO SENRA MARTINEZ* - Professor titular do programa de Engenharia Nuclear do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) )



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