terça-feira, setembro 27, 2011

Um poder de costas para o país


O GLOBO | OPINIÃO
JUDICIÁRIO | SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Um poder de costas para o país
MARCO ANTONIO VILLA

Justiça no Brasil vai mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai muito bem. Nas 80 páginas — parte delas em branco — recheadas de fotografias (como uma revista de consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias, o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes (que tem milhares de processos parados, aguardando encaminhamento) recebeu “pela excelência dos serviços prestados” o certificado ISO 9001. E há até informações futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco Aurélio é flamenguista.

A leitura do documento é chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para justificar os passeios dos ministros à Europa e aos Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as viagens possibilitaram “uma proveitosa troca de opiniões sobre o trabalho cotidiano.” Custosas, muito custosas, estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo. Nenhum ministro do STF, muito menos o seu presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi feita uma declaração formal em nome da instituição. Nada.

Silêncio absoluto. Por que? E a triste ironia: a juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil. Mas, se o STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu tempo nas últimas semanas defendendo — como um líder sindical de toga — o abusivo aumento salarial para o Judiciário Federal. Considera ético e moral coagir o Executivo a aumentar as despesas em R$ 8,3 bilhões. A proposta do aumento salarial é um escárnio.

É um prêmio à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer décadas sem qualquer decisão. A lentidão decisória do Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários. De acordo com os dados disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674 funcionários, isto somente para um tribunal com 11 juízes. Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados, perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por ministro.

Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos? Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários com algum adicional de insalubridade? Causa estupor o número de seguranças entre os funcionários terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são 435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$ 16 milhões.

O orçamento total do STF foi de R$ 518 milhões, dos quais R$ 315 milhões somente para o pagamento de salários. Falando em relatório, chama a atenção o número de fotografias onde está presente Cézar Peluso. No momento da leitura recordei o comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O motivo foi uma entrevista para a revista “Manchete”. O maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: “Ninguém ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch.”

Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo. São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros ministros aparecem em uma ou duas fotos. Ele, não. Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao apresentar a página do STF na intranet, também ter reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase (irônica?) destacando que o “a experiência do Judiciário brasileiro tem importância mundial”. No relatório já citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo na introdução, explicando a importância das atividades do tribunal.

E concluiu, numa linguagem confusa, que “a sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso dever e nosso empenho permanente”. Se Bussunda estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão inesquecível: “Fala sério, ministro!” As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém entende o seu funcionamento.

É lento e caro. Seus membros buscam privilégios, e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.

segunda-feira, setembro 19, 2011

Reinaldo Azevedo: Qual é a Sua?

Na verdade, alguns podem indagar qual seria a minha, responsável por um Blog que nem de perto pode rivalizar com Blogs da Veja, inquirindo e abrindo polêmica com um jornalista badalado?

O fato é que nem sei se ele vai chegar a ler isso, pois enquanto esse Blog também possui artigos com mais de 100 comentários, eles levaram quase cinco anos para se acumularem, enquanto a postagem à qual me oponho no Blog do Reinaldo Azevedo atingiu, em um só dia, mais de 170 comentários. Meu modesto Blog não recebe o suporte de nenhum órgão de imprensa, é apenas o repositório das opiniões de um cidadão consciente e que gosta de escrever sobre problemas da sociedade brasileira, uma capacidade de interação que a Internet oferece a todos os cidadãos comuns como eu.

Eu até tentei manter essa discussão no próprio blog dele, na Veja, por duas vezes, mas descobri que só são aprovados pela sua moderação os comentários que concordam com o que ele escreve, mesmo se postado com urbanidade e respeito. Então, não me resta outra alternativa senão contestá-lo em meu próprio terreno.

A postagem em questão se refere às críticas inconsequentes e nitidamente de quem não sabe o que está falando, sobre os recentes problemas no morro do alemão relacionados com a reação do tráfico, no início de setembro.

Em suas críticas apaixonadas, nitidamente com enfoque político, Reinaldo Azevedo não poupou sequer um colega seu, Arnaldo Jabor, que ousou opinar, favoravelmente, ao projeto de segurança das UPPs, do governo do Estado do Rio. Esclareça-se logo de saída, que não votei nem no Cabral nem no Paes, o que não me proíbe de reconhecer, de forma republicana, quando uma iniciativa tem méritos, atitude que parece não estar no rol de qualidade do jornalista da Veja.

No seu texto, Reinaldo Azevedo afirmou se pautar nos seus leitores cariocas que "sempre me disseram a verdade a respeito". A julgar pela quase totalidade de seus leitores que se manifestaram nos comentários, esses leitores também deixam exalar a sua incontida paixão política, dentro daquele espírito do que é feito pelo outro lado é, necessariamente, ruim.

Além disso, nota-se tanto no artigo, como na maioria dos comentários de seus conterrâneos paulistas, uma ironia e má vontade para com o povo carioca. Sente-se no ar, aquela ideia de que cariocas só se preocupam com praia e carnaval. Nada mais anacrônico e desrespeitoso para com a gente dessa terra.

Reinaldo Azevedo ignora e condena a única inciativa séria contra o tráfico em mais de 30 anos, taxando-a de inviável, pois "como pode dar certo o que está conceitual, técnica, moral, ética e legalmente errado?". Devido a essa frase, eu indaguei em um dos meus comentários censurados no seu Blog, que visto que ele sabia a maneira correta de combater o tráfico, porque não passava seu inteligente plano para o Beltrame contribuindo para a solução, em vez de atirar farpas sem propor alternativas.

Acusa a imprensa carioca de incompetente por apoiar o que denomina uma fraude e chega ao cúmulo de inferir que o governador havia feito um trato com os traficantes para que esses não aparecerem ostensivamente, concluindo que algo teria dado errado, pois os traficantes romperam o suposto trato. Em suas próprias palavras:"...se o tal território retomado estava ocupado pelo narcotráfico e se retomado foi sem confronto com aqueles bravos, o que que a gente deve concluir? Que se fez uma espécie de pacto com os donos da área, certo? Certo."

Foi tomado sem confronto porque não existe o mítico crime organizado Sr. Reinaldo. Isso sim, uma criação da mídia, se não me engano da paulista, quando dos confrontos com PCC em 2006. Fugiram do alemão como um bando de bermudas e chinelos e sem camisas porque são nada mais do que um bando.

Em sua diatribe política contra o sistema de UPPs V.Sa. não mencionou uma só vez as UPPs sociais que começam a ser instaladas pela Prefeitura, pelo contrário, fez questão de ridicularizar mencionando "crianças felizes batendo lata (geralmente sob os cuidados de alguma ONGs)

Há muito o que fazer e muitas dificuldades e aprendizados ainda virão, mas é lamentável que pessoas que detém o poder de um veículo de informação como a Veja o utilizem de forma tão irresponsável, atendendo tão somente às suas crenças políticas.